segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Traduzir (só) se aprende na prática?

Dizem por aí que traduzir se aprende mesmo na prática. A teoria sobre tradução, o que está nos livros, nas universidades, pode colaborar, mas não “forma” um tradutor. Mas a grande questão é: é possível traduzir sem “teorizar”?

Ivone Benedetti afirma que “para o ser humano, fazer e pensar só artificialmente se separam. O fazer sempre vem acompanhado do pensar sobre o fazer, (...) ainda que, individualmente, muitas vezes o façamos sem pensar.”

Rosemary Arroyo ressalta que "não pode haver prática desvinculada de uma ideologia, de uma "receita" implícita de como realizá-la e de como avaliá-la".

Conclui-se daí que todo tradutor tem obrigatoriamente uma “teoria” de tradução, introjetada e aprendida na prática, ou as chamadas “intuições” que o levam a tomar decisões.

“Intuição” é, por definição, aquilo de que não se tem consciência. E como a tradução é uma atividade intelectual, parece mais estranho não refletir sobre ela do que o contrário, não? Refletindo sobre sua prática, o tradutor pode exercer um trabalho mais consciente, tornar-se um profissional mais consciente de si, de suas capacidades e limites, perceber melhor as expectativas dos clientes e interpretá-las ou questioná-las a contento.

“Mas seria simplismo afirmar que a falta de interesse do tradutor prático por teoria é culpa da teoria. Sem dúvida, cabe grande responsabilidade, nesse caso, a certa preguiça, a certo imediatismo de tradutores que, não tendo encontrado, nos poucos exemplos de teoria com que tiveram contato, alguma aplicação prática imediata ao "projeto" em andamento, concluem ser perda de tempo dedicar-se a leituras teóricas. É assim que, no Brasil, perdem a oportunidade de refletir sobre aquilo que fazem exatamente aqueles que fazem.” (Benedetti, 2003)

Por esse motivo, desejamos divulgar a Certificação CLP para a comunidade de localização no Brasil, uma vez que, esse ano, ela não foi realizada aqui por falta de inscritos em número suficiente. Essa certificação oferece módulos online, licenças de ferramentas e reconhecimento internacional, além de ser organizada pelo The Institute of Localization Professionals, uma instituição sem fins lucrativos cujo objetivo é desenvolver práticas profissionais de localização globalmente. Todas as informações sobre o curso estão no site http://www.tilponline.org/clp. Dê uma olhada!

Um abraço,

Maíra Monteiro

PS: Em breve constarão aqui as referências bibliográficas corretas.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O mito da tradução automática na Veja

Nós, da "humilde casta de tradutores" - como diria Paulo Rónai -, já sabemos que obtemos bastante visibilidade na mídia quando o objetivo é nos criticar. Costuma-se, dessa forma, divulgar uma imagem social bastante equivocada sobre o que é tradução e sobre o papel do tradutor aos olhos dos leitores. Assim perpetuam-se os mitos da tradução “fiel” ao original e do tradutor como “eterno traidor”, da tradução como “prótese” ou uma cópia imperfeita do original, sempre inferior.

Agora, as pesquisas em inteligência artificial voltaram a chamar a atenção da imprensa, pelo eterno projeto de substituição do homem pela máquina com a criação do tradutor universal, o Google Tradutor. Mais uma vez, na reportagem da revista Veja de 5 de maio de 2010 (http://veja.abril.com.br/050510/lingua-google-p-122.shtml), são reforçados os mitos da tradução como um processo automático de transposição de significados, que prescinde do tradutor, como se este não tivesse um papel extremamente ativo nesse “transporte”, como se a carga de um idioma chegasse intacta em outro e o tradutor não precisasse tocá-la, ou seja, interpretá-la, buscar o sentido recortado por uma nova cultura por meio do idioma.

Vamos, agora, a mais uma pérola da reportagem, agora sobre a localização:

“À medida que os tradutores avançarem, seus impactos deverão se espalhar pelas mais variadas áreas. (...) Yarowsky também aponta frutos na economia: "Será mais fácil vender produtos e serviços ao exterior, com a eliminação de custos com tradução de manuais técnicos, material promocional e e-mails."

Pessoal, por que, no Brasil, não se ouviu falar ainda da complexidade do que é a industria de bilhões de dólares chamada localização? Da centralidade do papel do tradutor na transformação do mundo em um único mercado online? Das competências que temos desenvolvido para dar conta do transporte de uma avalanche de informações que são levadas a diferentes culturas por discursos e produtos extremamente bem traduzidos? Dos milhares de profissionais envolvidos nisso?

Será que, com a automatização da tradução (e o crowdsourcing), o tradutor acabará mesmo sendo engolido pela economia que ele próprio alimenta com seu conhecimento?

Sei que a resposta a essas questões não é simples, sei também que há inúmeras vantagens de se usar esse modelo de tradução, mas me parece que precisamos pensar nessas questões em conjunto, como uma classe, na verdade, nada humilde (ou pequena).

Como provocação, deixo um recado de Mário Quintana:

“O que há de terrível nos robôs não é como eles se parecem conosco, mas como nós nos parecemos com eles.”

Um abraço, Maira Monteiro

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Por que todos odeiam o LocStudio?

Bem, nem todos. Eu não odeio o LocStudio. Não é que eu seja a fã número um, com carteirinha de sócia e camiseta I ‘heart' LocStudio. Mantemos uma relação de respeito mútuo...o LocStudio e Eu. Eu e o Locstudio.

4.8 ou 6.11 ele sempre está lá quando eu preciso (quero dizer, tenho que desinstalar uma versão, instalar a outra e depois tem os QFEs da vida).

Ah, para quem não sabe o que é o LocStudio... é uma ferramenta da Microsoft para localização de software... da Microsoft.J Realmente, no começo, pode assustar um pouquinho, todos aqueles botões e recursos que você não sabe para que serve... e que você (Tradutor) vai continuar sem saber até o último dos seus dias...

No fundo, o LocStudio não passa de uma planilha “burguesinha, burguesinha” de Excel. Isso mesmo. Vai no cabeleireiro, no esteticista, malha o dia inteiro, pinta de artista....

Mas por trás dessa fachada é apenas uma planilha com source, target e às vezes um contexto aqui e ali na RID (nome do arquivo?) e nas instruções.

Não gostar do LocStudio é como não gostar de burguesinhas... vai ver você nunca realmente deu uma chance para a menina? É como avaliar um livro pela capa sem ao menos ler o prólogo. Então, dê uma chance para a burguesinha — ou melhor, para o LocStudio.

E existem vantagens. Claro, que existe! É uma ferramenta grátis enquanto tantas outras do mercado são (ou estão se tornando) pagas. As palavras repetidas são pagas como novas, e o conteúdo geralmente envolve aquela terminologia basicão que depois de um tempo você pode fazer com os olhos fechados (mas com o TRES* bem aberto. Sempre!)

A verdade, tchurma, é que dizer não para qualquer ferramenta no mundo da Localização pode ser o seu primeiro erro de tradução.

As ferramentas fazem parte do nosso dia a dia e podem e devem ser usadas a nosso favor. Um Localizer não pode ter ferramentas inimigas. Mas se tiver... bem, siga o ditado. Mantenha os seus amigos perto e os inimigos mais perto ainda. Se alguma ferramenta te assusta, não corra. Enfrente-a.

Saudações LocHousianas,
You-Know-Who (Ingrid Barbosa)

*TRES= Terminology Research Engine Portal
Ferramenta de pesquisa/glossário da Microsoft

Disclaimer: You Know Who é amiga das burguesinhas, já foi até madrinha de casamento de uma. E no fundo queria mesmo é ser uma burguesinha padrão. Aliás, ela tem horário marcado hoje no salão às 18:30. E pintou as unhas de vermelho esta semana (totalmente na moda!). Este texto não visa de forma alguma ofender as burguesinhas e sim apontar como certos preconceitos devem ser abolidos de nossa sociedade. Qualquer coincidência com a sua chefe, a chefe dos outros ou a pessoa entre o computador e a cadeira neste momento é puramente ficcional. Se você se sentiu ofendida com a referência às burguesinhas, imagina como o pobre do Locstudio se sente!