quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O mito da tradução automática na Veja

Nós, da "humilde casta de tradutores" - como diria Paulo Rónai -, já sabemos que obtemos bastante visibilidade na mídia quando o objetivo é nos criticar. Costuma-se, dessa forma, divulgar uma imagem social bastante equivocada sobre o que é tradução e sobre o papel do tradutor aos olhos dos leitores. Assim perpetuam-se os mitos da tradução “fiel” ao original e do tradutor como “eterno traidor”, da tradução como “prótese” ou uma cópia imperfeita do original, sempre inferior.

Agora, as pesquisas em inteligência artificial voltaram a chamar a atenção da imprensa, pelo eterno projeto de substituição do homem pela máquina com a criação do tradutor universal, o Google Tradutor. Mais uma vez, na reportagem da revista Veja de 5 de maio de 2010 (http://veja.abril.com.br/050510/lingua-google-p-122.shtml), são reforçados os mitos da tradução como um processo automático de transposição de significados, que prescinde do tradutor, como se este não tivesse um papel extremamente ativo nesse “transporte”, como se a carga de um idioma chegasse intacta em outro e o tradutor não precisasse tocá-la, ou seja, interpretá-la, buscar o sentido recortado por uma nova cultura por meio do idioma.

Vamos, agora, a mais uma pérola da reportagem, agora sobre a localização:

“À medida que os tradutores avançarem, seus impactos deverão se espalhar pelas mais variadas áreas. (...) Yarowsky também aponta frutos na economia: "Será mais fácil vender produtos e serviços ao exterior, com a eliminação de custos com tradução de manuais técnicos, material promocional e e-mails."

Pessoal, por que, no Brasil, não se ouviu falar ainda da complexidade do que é a industria de bilhões de dólares chamada localização? Da centralidade do papel do tradutor na transformação do mundo em um único mercado online? Das competências que temos desenvolvido para dar conta do transporte de uma avalanche de informações que são levadas a diferentes culturas por discursos e produtos extremamente bem traduzidos? Dos milhares de profissionais envolvidos nisso?

Será que, com a automatização da tradução (e o crowdsourcing), o tradutor acabará mesmo sendo engolido pela economia que ele próprio alimenta com seu conhecimento?

Sei que a resposta a essas questões não é simples, sei também que há inúmeras vantagens de se usar esse modelo de tradução, mas me parece que precisamos pensar nessas questões em conjunto, como uma classe, na verdade, nada humilde (ou pequena).

Como provocação, deixo um recado de Mário Quintana:

“O que há de terrível nos robôs não é como eles se parecem conosco, mas como nós nos parecemos com eles.”

Um abraço, Maira Monteiro

3 comentários:

  1. Parabéns pela bela levantada de bola, Maira! É impressionante o nível de ignorância e a quantidade de equívocos sobre o assunto. Fico até pensando se as pessoas acreditam mesmo em tanta bobagem ou se fingem... Que venham os robôs, tadinhos... Como é assustadora a desinformação humana.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Incrível como você continua escrevendo bem. Cada vez melhor. Em português, inglês, possívelmente em espanhol e hebraico também. E com uma citação sensacional. Fechou a tampa.

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